Por Fernando de Cunha Lima, PY2ENK, Revista Antenna-Eletrônica Popular, volume 102, número 2, 1992.
Original por PS7AB em AHRB – Arquivo Histórico do Radioamador Brasileiro
Informes e preceitos de boa operação em telegrafia, de grande utilidade para os que se iniciam na modalidade, ou, para os que, já a praticando, desejam uma operação mais eficiente e agradável.
1 – Introdução
2 – Iniciação
3 – Velocidade
4 – QRL
5 – CQ
6 – BK
7 – KN
8 – Papo
9 – Concursos
10 – QSL
11 – Listagem dos QSO
12- QRS
13 – Acentos ou não acentos? E a pontuação?
14 – R
15 – QRA
16 – Código Q “Preferencial”
17 – Concluindo
Introdução
Como qualquer atividade, nosso hobby tem características prórias de expressão, ou seja, seu próprio jargão. Pouca coisa existe de “escrito” sobre o assunto; tal como ocorre com os dialetos, que não tem gramática escrita, a maioria das práticas utilizadas no radioamadorismo advém da própria operação com os colegas.
O próprio “código Q”, como consta de diversas publicações, é extenso e um tanto enfadonho. Talvez 10% dele sejam utilizados de fato no dia-a-dia e, estes sim, devem ser aprendidos.
No caso da telegrafia, todo empenho deve ser exercido no sentido de expeditar, agilizar a comunicação, ou seja, passar o máximo de informação ao colega num mínimo de tempo. A própria existência do código Q vem ao encontro deste objetivo.
Uma das metas deste artigo é alertar aos colegas, especilmente aos mais jovens no hobby (evitarei chamá-los de novatos), para alguns vícios que tenho notado em meus pouco mais de trinta nos de radioamadorismo, na prática de CW.
Num trabalho desta natureza é difícil evitar expor alguns juízos de valor, os quais, espero, serão poucos, e aí tudo depende da simpatia dos colegas em tal ou qual sugestão, se vão ou nao adotá-la.
Finalmente, não vamos nos estender sobre a aprendizagem de CW em si, mas sim sobre o modo de utilizá-lo.
Iniciação
O iniciante no CW deve ter, antes de tudo, paciência. É necessário um treinamento intensivo no oscilador dentro de quatro paredes antes de ligar o transmissor, de modo a dar ao punho uma prática mínim para uma comunicação aceitável.
Por outro lado, o ouvido também precisa de um minimo de habilidde para permitir um nível adequado de entendimento. Ou seja: corujar, corujar e corujar. Sempre haverá alguém na faixa transmitindo num ritmo compatível com o nosso limite.
Velocidade
Normalmente, no início, transmitimos mais depressa do que copiamos. Resista a tentação de transmitir numa velocidade superior a que você consegue, comodamente, copiar.
Nada mais chato do que você sentir que o colega não pegou patavina do seu câmbio, alegando – quando alega – forte QRM local.
Quando se está acostumado à “chapa de praxe” (nome, QTH, RST, 73 e TU), tudo bem; mas quando a conversa se estende, o papo vira um diálogo de surdos.
QRL
Dê sempre um par de “QRL?” (esta frequência está ocupada?) antes de entrar na QRG. Atualmente o número de estções QRP começa a ser expressivo e você pode sair “no cocoruto” de um colega que opera nessa modalidade.
Não se limite, porém, a emitir apenas o “QRL?”. Escute atentamente por alguns momentos para ouvir se alguém reclamou de sua interferência.
CQ
Antes de chamar geral, dê uma espiada na faixa. Afinal, 50 KHz não é muito e rapidamente você sberá se já há alguém chamando e numa velocidade compatível com a sua. Nada mais bisonho que dois colegas chamando geral a poucos KHz um do outro.
Ninguém chamando, chame você.
Um bom método é o 3×2, isto é, 3 CQ seguidos por dois indicativos: CQ CQ CQ DE PY2ENK PY2ENK AR K.
A cada chamada geral, escute. Dê um pouco de tempo, pois alguns colegas as vezes demoram um pouco pra responder.
Ouça as frequências adjacentes, pois o colega pode estr transmitindo um pouco abaixo ou um pouco acima e os receptores, especialmente os mis modernos, são altamente seletivos e simplesmente não recebem aqueles sinais.
Não dê longos CQ. Nada mais chato do que um CQ do tipo “espada”. É muito mais eficaz dar frequentes períodos de escuta, mesmo que você esteja operando em “break in” ou “semi-break in”, ou seja, escutando entre os caracteres ou entre as palavras. Ainda não é usual, no Brasil, a operação em “break in”, pois o número de equipamentos que permitem tal operação ainda não é expressivo (N.E em 1991). Normalmente os colegas só escutam quando “passam o câmbio”.
BK
Uma das melhores “invenções” da prática telegráfica é o uso do BK no fim de um câmbio curto, para uma resposta rápida do colega.
Ilustrando melhor: para agilizar um bom papo, passa-se o câmbio ao colega dando um BK e passando à escuta.
O outro dá BK e responde direto. Nada de “BK de PY2ENK”. E assim se estabelece um “ping-pong” que confere ao comunicado uma grande agilidade.
Claro, de vez em quando, a cada cinco ou dez minutos, passa-se o câmbio “de modo formal”: PY1EPM de PY2ENK KN.
Bem, aí há controvérsia. KN significa “transmita somente você” enquanto que K quer dizer “transmita quem desejar”.
Está claro que se o intuiro é escutar apenas o colega com quem se está fazendo o QSO, KN é o indicado, deixando-se o K somente para um CQ ou um QRZ.
Para muitos colegas, contudo, o uso de KN é uma idelicadeza, pois “não convida” os demais a entrar no papo.
Não fique só na “chapa”, ou seja, dando RST, trocando nome e QTH e se despedindo. Tente um papo. Muitas amizades nascem de uma boa conversa ao manipulador, onde os colegas descobrem que, além do CW, tem muitas outras coisas em comum.
Informe sobre o tempo e a temperatura, por exemplo, e peça ao colega as condições meteorológicas do outro lado.
Peça informações sobre o equipamento dele, marca, modelo, potência, tipo de antena, etc. Anote tudo no seu registro, pois no próximo QSO você poderá fazer referência à “artilharia” dele, emprestando ao papo um tom mais quente e cordial.
Na verdade, embutido aqui está o seguinte: uma conversa enseja a troca de informações “não previsíveis”, e, portanto, acelera o treinamento do ouvido.
Explicando melhor: na “chapa”, você sempre espera números quando o colega começa um RST. no qual R é quase sempre o 5, o T, 9 e o S, também. Bem, isso não ajuda muito a adquirir prática. O próprio envio do nome e do QTH, é feito normalmente em ritmo lento e, em geral, repetido. E aí, novamente, isso pouco contribui para o aprimoramento da comunicação.
Conversas demoradas dão ao radioamador menos experiente uma excelente oportunidade de praticar o código.
Evite, contudo, repetir palavras do tipo “meu nome… nome… é… é…” Ou “seu RST… RST… é… é…”.
Outra coisa: seja menos efusivo, isto mesmo, pouco efusivo nos cumprimentos iniciais principalmente na despedida. Ninguém vai ficar chateado se você cumprimentou o colega apenas com um “BD 73” em lugar de “forte abraço ao colega extensivo aos dignos familiares”.
De igual maneira, dê “um fte 73 TU” no final, evitando “sinceras recomendações a todos os componentes da tripulação do seu estimado QTH familiar”.
Uma boa conversa é uma coisa; outra bem diferente é o uso de expressões monótonas e arcaicas e que, no duro, nada significam.
Concursos
Os concursos (ou contestes) oferecem um outro tipo de diversão: o desafio. Há os que gostam fortemente e os que fogem dele como o diabo da cruz.
Uma coisa é certa: é uma época em que a faixa fica ltamente ativa e consegue-se “faturar” um elevado número de colegas.
Só um lembrete: NÃO TENTE estabelecer um papo em dia de concurso.
Como reconhecer um dia de concurso? É fácil. Primeiro, a faixa fica super povoada. Segundo: nos CQ há a menção da palavra TEST.
E aí, se você quiser entrar, prepare-se para a “armadilha”, pois você se envolve até a alma, a ponto de o cristal fazer acionar o “rolo de pastel” para contar com a sua atenção nesses dias.
Se, por outro lado, você é do tipo conversador, desista: é melhor desenterrar o desprezado microfone. (N.E ou partir para as bandas WARC…)
QSL
Seja bom pagador de QSL. Seja organizado. De tempos em tempos (por exemplo, mensalmente) pegue o seu livro de registro de QSO e preencha os QSLs para envio, deixando indicado até onde você “pagou” o cartão.
Só uma coisa a mais: mande QSL para os PRIMEIROS comunicados; senão a coisa vai sair cara, HI HI.
(N.E embora em tempos modernos estejamos na fase dos logs e confirmações eletrônicas, a regra da organização, de manter o log organizado, de possibilitar a confirmação do QSO, por meio físico ou eletrônico, segue valendo.)
Listagem dos QSO
Independentemente do livro de registro, que é ordenado por datas, é interessante ter um outro tipo de listagem por indicativos, para saber rapidamente o nome e QTH do colega, caso não se trate de um “primeiríssimo”.
Há, basicamente, dois tipos: por fichas e por computador. Nada mais fácil que organizar um fichário onde os cartões são ordenados comodamente por ordem alfbética de indicativo, onde contem o nome, QTH, data e hora do QSO e, se possível, alguns detalhes sobre o colega, tais como o equipamento, gostos especiais, etc. (N.E mantivemos a recomendação por curiosidade, já que, em tempos modernos, QRZ.com e os softwares de log eletrônico já fazem tudo isso com poucos toques no mouse – mas vale para o colega saber como era feito ANTES das ferramentas eletrônicas)
O “fichário informatizado” é prático e relativamente fácil de ser organiazado através de um programa simples do tipo “banco de dados”. Para facilitar o seu manuseio, é conveniente fazer três listagens: a sua própria região, as demais regiões do Brasil, e o “resto do mundo”. (N.E em 1991 a informática a serviço do radioamadorismo ainda estava em seus primórdios)
QRS
Não hesite em pedir um QRS caso o colega esteja transmitindo numa velocidade superior à que você copia. Um pouco de velocidade a mais não é ruim, pois a gente sempre treina um pouco. Mas além de um certo ponto, entra-se em pânico e pára-se de copiar todo o QSO. Aí, um pouco de humildade não faz mal: peça QRS. Nada pior para um QSO do que a gente perguntar como está o tempo e o colega responder “tudo certo, forte 73”.
Acentos ou não acentos? E a pontuação?
Definitivamente, não use pontos, vírgulas, dois pontos, etc., numa conversação telegráfica. As pausas por si já dão uma “idéia” de vírgulas; os “hífens” ou “traços” (da dididi da) separam as frases e portanto tem a conotação de pontos. Por que, então, existem tais caracteres no código? Para mensagens formais, onde se transmitem textos.
De igual maneira, evite usar “é”, “em”, “também”, “férias”, etc. O outro colega não vai pensar que você é um iletrado. Palavras como “não” e “são” podem perfeitamente ser transmitidas como “nao” e “sao”, sem problemas e mal entendidos.
R
O sinal R dado logo no começo do câmbio ou após os indicativos significa “tudo copiado”. Se você NÃO copiou todo o câmbio, não transmita R, pois você confundirá o outro colega.
Separe letras e palavras
Nada mais chato do que copiar colegas que juntam as letras. É cansativo. Pior ainda quando as palavras ficam unidas umas as outras, mais parecendo um texto em… alemão.
Quando você ficar meio nervoso porque a velocidade do outro colega é um pouco baixa em relação a sua “de cruzeiro”, não recorra ao expediente de juntar palavras. Faça o seguinte: aumente a cadência das letras, mas mantenha, ou até aumente um pouco – a distância entre palavras. O outro colega vai ficar muito grato, pois aquele intervalo vai propiciar que ele coloque as coisas em ordem e… respire um pouco.
QRA
QRA significa “nome da minha estação” e não “meu nome”. Evite pois dizer “meu QRA é Fernando e QTH Sõ Paulo”. Use mesmo “meu nome” ou simplesmente “nome” ou ainda o universal “OP”, de operador.
Código Q “preferencial”
O código Q, como se sabe, foi criado para facilitar a vida dos telegrafistas nos velhos tempos em que o código Morse era usado para mensagens telegráficas oficiais e profissionais. Não só o “Departamento de Correios e Telégrafos” usava o CW, mas também navios, aviões e empresas no geral.
Convenhamos: é um pouco longa a listagem e quando um colega calouro se depara com toda aquela “ladainha”, ou desiste de vez ou começa a aprender códigos que nunca serão usados.
Aí vai uma lista “selecionada” de sinais em código “Q” mais usuais. Trata-se de uma “versão livre”, adaptada a nossa prática.
QRA | Indicativo, nome DA ESTAÇÃO (não use para designar seu nome) |
QRG | Frequência |
QRL | Esta frequência está ocupada? |
QRM | Interferência |
QRN | Interferência atmosférica |
QRO | Alta potência |
QRP | Baixa potência |
QRQ | Transmita mais depressa |
QRS | Transmita mais devagas |
QRT | Vou desligar |
QRU | Nada tenho para você |
QRV | Estou a disposição |
QRX | Espere um pouco, pausa. |
QRZ | Quem me chama? |
QSA | Reportagem de intensidade de sinais |
QSB | Desvainecimento de sinais, fading. |
QSJ | Dinheiro ou valor monetário. |
QSK | Estou operando em BK-IN |
QSL | De acordo, OK. |
QSO | Comunicado |
QSP | “Ponte”, retransmissão de QSO entre operadores. |
QSY | Mudança de frequência |
QTC | Mensagem, notícia. |
QTH | Localização |
QTR | Hora certa |
Concluindo
De tempos em tempos aparece alguém escrevendo artigos sobre as práticas do radioamadorismo. Também entrei nessa, queiram perdoar. O caso é que muita coisa em nosso hobby é requerida por lei, mas a maioria é determinada pelos costumes. Estes costumes não podem estar sujeitos a modismos, quer no tempo, quer no espaço.
No tempo, para que todos, independentemente de idade ou de “veteranidade” se entendam sem esforço.
No espaço, para que todos os radioamadores, de qualquer canto do mundo – e isto é uma das belezas do radioamadorismo em geral e do CW, em particular – falem a mesma língua, dando a humanidade um quê de união e fraternidade de que o mundo atualmente muito carece,