O Telégrafo elétrico no Brasil
Implantação e expansão
Por Maurílio Brito –Revista Antenna-Eletrônica Popular, volume 102, número 1
Original por PS7AB em Arquivo Histórico do Radioamador Brasileiro
A idéia de implantar-se entre nós o telégrafo elétrico remonta ao ano de 1851, quando o Conselheiro Eusébio de Queiroz Matoso Câmara, Ministro da Justiça, recebeu correspondência do nosso representante diplomático em Washington, Sérgio Teixeira de Macedo, encaminhando proposta do empresário norte-americano J.L.Leonardt para construir linhas telegráficas no Império.
Estando o Governo sem recursos materiais (notadamente embarcações) para cumprir o tratado que assinara com a Inglaterra, pelo qual se comprometera a impedir o desembarque ao longo da costa de escravos (N.E: escravizados) procedentes da África, o telégrafo já empregado em larga escala na Europa, era, realmente, a solução para o problema. A Corte ficava dispondo de um eficiente meio de comunicação para transmitir às Províncias interessadas as instruções referentes aos serviços de fiscalização. O constante afretamento de navios estrangeiros para esses encargos acarretava despesa vultosa, via de regra sem compensações.
A Proposta de J.L.Leonardt não prosperou, apesar da boa acolhida que recebeu de alguns setores do Império. Entretanto; decorrido certo tempo, Eusébio de Queiroz resolveu considerar o assunto, tendo convidado o Professor Paula Cândido, lente de Física da Faculdade de Medicina, pra fazer os estudos que viabilizassem a construção de uma linha telegráfica, para as primeiras experiências, a qual deveria ligar o Quartel de Polícia, na Rua dos Barbonos (N.E: Rio de Janeiro), atual Evaristo da Veiga, à estação do telégrafo ótico (N.E: sistema de comunicação semafórico ou não, por bandeiras) localizada no Morro do Castelo.
Aceitando a incumbência, o Professor Paula Cândido providenciou obter, por intermédio do Coronel Polidoro Quintanilha da Fonseca, Comandante da Polícia, do Engenheiro Guilherme Schuch de Capanema, jovem professor da Escola Central (depois Escola Politécnica), o material necessário para a improvisação de uma linha. E que material era esse? Alguns metros de fio de cobre, cobertos de seda, alguns isoladores feitos de fundos de garrafas e dois aparelhos marca “Breguet”: um transmissor e um receptor.
Improvisada a linha, Paula Cândido logo constatou que a experiência não alcançaria o êxito esperdo. Alguma coisa “não dava certo”, e recolheu a aparelhagem.
Está na história que, dias depois, o Coronel Polidoro, visivelmente aborrecido, procurou Capanema dizendo-lhe:
– “Tome lá as suas máquinas. Elas não prestam…”
O episódio parecia esquecido quando Capanema, que vinha realizando com os seus alunos estudos de Eletricidade aplicada, resolveu fazer, sob sua responsabilidade, uma experiência convidando Polidoro para auxiliá-lo, tendo como local dependências da Escola Central. Para ali o material foi transportado e logo examinado por Capanema, que constatou seu perfeito funcionamento. Os dois aparelhos foram colocados em salas distintas, mas vizinhas, ligados por um fio que corria através das janelas.
Depois de dar explicações sobre como tudo teria de fundionar, Capanema passou a transmitir sinais, que Polidoro, ao lado do receptor, ia recebendo e respondendo depois de traduzí-los. Trocava-se naquele exato instante, sob imensa expectativa dos presentes, a primeira mensagem do nosso Telégrafo Elétrico.
Ciente do êxito da experiência, Eusébio de Queiroz, recebendo instruções de Dom Pedro II, determinou a Capanema que providenciasse a aquisição, na Europa, do que fosse necessário para a imediata construção de uma linha que, partindo da Quinta da Boa Vista (N.E Palácio Imperial, atual Museu Nacional, que está em restauração depois de ser reduzido a cinzas), atravessando ruas de São Cristóvão, terminasse no Quartel General.
Recebido o material encomendado (cinco aparelhos receptores e transmissores marca “Breguet” e um de dupla corrente), adquirido na Casa Stohrer, de Leipzig, Alemanha, foi logo iniciada a construção subterrânea da linha pessoalmente dirigida por Capanema, auxiliado por um grupo de alunos da Escola Central e alguns presos da Casa de Correção. Estes, não raro, eram interpelados por transeuntes mais curiosos que indagavam do motivo da escavação ao longo das ruas. E o próprio Capanema muitas vezes tinha de deixar de lado os instrumentos que portava, destinados à locação dos dutos por onde deveriam passar os fios elétricos, para dizer o porquê do trabalho que estava dirigindo.
– “É o telégrafo elétrico que estamos implantando, respondia, dando explicações sobre o novo meio de comunicação.
Finalmente, a 11 de maio de 1852 a linha era inaugurada, medindo cerca de 4300 metros. Na oportunidade, foram trocadas mensagens entre Dom Pedro II, que estava no Paço Imperial (N.E na realidade, estava na Quinta da Boa Vista), e Eusébio de Queiroz e Capanema, estes no Quartel General.
Apesar da importância do acontecimento, o “Jornal do Commercio” edição do dia 15 seguinte, assim registrou:
“Telégrafo elétrico – No dia 11 do corrente trabalhou pela primeira vez o telégrafo elétrico que põe o Quartel General em contacto com o Paço da Boa Vista. A obra ainda não está completa. Não se pode estabelecer conseguintemente uma conversa regular, mas já houve comunicação entre as pessoas colocadas nas duas extremidades dos fios. S.M. o Imperador assistiu no seu palácio a estas primeiras experiências.”
A expansão do telégrafo nos primeiros tempos limitou-se as repartições existentes na Corte e cidades mais próximas como Niterói, Cabo Frio e Petrópolis.
Em junho de 1866, a rede telegráfica chegava ao Rio Grande do Sul, possibilitando comunicações mais rápidas entre a Corte e as nossas tropas, que, nas fronteiras do Sul, estavam em luta contra Solano López, Presidente do Paraguai. Sete anos depois, era inaugurada a estação telegráfica de Maceió, seguindo-se a de Recife, Paraíba (João Pessoa), Natal, Fortaleza, Teresina e São Luiz, onde chegou em 1881.
O Telégrafo “entra” na Amazônia
Ao terminar os trabalhos em São Luiz, Capanema recebeu instruções do Imperador para estender a rede telegráfica até a capital da província do Pará, possibilitando uma conexão com o cabo submarino que fazia a ligação Belém – São Luiz – Recife – Salvador – Rio de Janeiro.
Refeitas as tropas, adquiridas as provisões de maior necessidade, a Comissão construtora deixou a capital maranhense. Atravessadas as florestas existentes nos limites das duas províncias, não raro sob ataques de indígenas e constantes temporais, que obrigavam a seguidas interrupções das caminhadas, Capanema penetra no território paraense e, no dia 13 de outubro de 1886, inaugura a estação telegráfica de Belém, sem a presença de mutos dos seus acompanhantes, que haviam regressado as suas terras, uns por motivo de saúde, outros por não acreditarem no bom êxito da Comissão. Dias depois, regressou ao Rio de Janeiro.
Foi assim, Capanema, a primeira pessoa a levar o Telégrafo Nacional à Região Amazônica.
Deve-se a Ernesto Gomes Carneiro e ao célebre Rondon a introdução do telégrafo na região Sul do País, chefiando a Comissão de Linhas Telegráficas, atuando no interior de Mato Grosso, indo até os limites com o Araguaia. Herói da Guerra do Paraguai, integrou o I Corpo de Voluntários da Pátria. Diz-se que o número de suas condecorações correspondia aos ferimentos resultantes dos diversos combates em que tomou parte. Como militar, chegou ao posto de General. Amigo pessoal de Dom Pedro II, manteve-se afastado dos movimentos que culminaram com a Proclamação da República. Mas, a consolidação da obra de Capanema, seguida por Gomes Carneiro somente em 1906 começaria a se manifestar, quando o Capitão de Engenharia do Exército, Cândido Mariano da Silva Rondon, deixou a Escola Militar, onde lecionava Matemática, para, convidado pelo Presidente da República, Affonso Penna, implantar uma rede telegráfica seguindo as nossas regiões fronteiriças com o Paraguai e a Bolívia, o que se concretizou com a construção da linha Cuiabá – São Luís de Cáceres – Coimbra – Miranda – Porto Murtinho – Bela Vista, incluindo os prédios das futuras estações.
Em princípios de 1907, já promovido a Major, regressou ao Rio de Janeiro: Ainda não bem refeito dos desgastes sofridos em sua saúde, resultantes da permanência durante muitos dias em regiões pantanosas, logo recebeu do Presidente Affonso Penna a incumbência de fazer a ligação telegráfica Acre – Purus, até o Amazonas, via Cuiabá, cidade que já estava se comunicando com a Capital Federal. Tendo organizdo a “COMISSÃO DE LINHAS TELEGRÁFICAS E ESTRATÉGICAS DE MATO GROSSO AO AMAZONAS”, Rondon deixou o Rio de Janeiro a 26 de maio de 1907, viajando para o interior de Mato Grosso.
Em fins de 1909, depois de percorrer cerca de 1500 quilômetros em Mato Grosso e 1800 no Amazonas, a Comissão chega a Manaus, sendo logo escolhido um prédio para funcionamento da estação telegráfica. Foram inúmeras as dificuldades que Rondon teve de enfrentar, tais como alimentação deficiente, investidas de animais selvagens e seguidos ataques dos índios, que mantinham uma “verdadeira guerra surda” com os componentes da Comissão. Explica-se: Os índios, encostando o ouvido na parte inferior, percebiam o zumbido ocasionado pela passagem do vento, semelhante ao das abelhas. E a derrubada dos postes era inevitável. Eles procuravam mel!
No dia 9 de fevereiro de 1910, Rondon regressa ao Rio de Janeiro, promovido a Tenente Coronel, coincidindo sua chegada com o último dia de Carnaval. Isso não impediu que fosse recebido como um herói por grande multidão, que compareceu ao antigo Cais Pharoux (Pça 15 de Novembro), onde desembarcou.